domingo, 31 de dezembro de 2017

Memórias dos Tempos



OS MEUS RECADOS em memória

Com o passar dos anos, sinto vontade de desafiar as confrangedoras regras do mundo.
Num mundo dominado pela exclusão dos bons princípios e dos valores universais, é conveniente procurar outras formas de viver em conformidade com a nossa consciência, preservando o que de melhor nos convém. Os desafios são imensos mas vale a pena.
Quando vem à memória a trágica condição da guerra, as lembranças estão vivas e as imagens são reais. Naqueles tempos de Angola e Moçambique, encontrei muitos homens bons, com desempenho e sentimento, com os quais convivi agradavelmente, sempre com elevado sentido de camaradagem e companheirismo, bem integrados nas acções operacionais; alguns, até, choraram comigo os momentos de angústia na espera dos helis de evacuação que chegaram tarde demais!
Também encontrei algumas mulheres… sensuais e atrevidas, que me animaram nos dias de tédio e fazem parte do meu percurso de vida com sonhos de liberdade, entre amor e aventura. Delas ficaram apenas os momentos de desprendimento nas coisas boas da vida. Muitas verdades escondidas por transgredirem os costumes coloniais, por estarmos em tempo de guerra e podermos ser traídos pelos sabores do prazer nas camas clandestinas.
Daqueles tempos com largos horizontes, muita energia e desejo de aventura, restam as boas recordações, muitas lágrimas e suor, muitas vidas destroçadas, muitos cadáveres por resgatar, muitas lutas e a embriaguez do cumprimento do dever. Ajudei a colmatar insuficiências logísticas, a sarar muitas feridas emocionais, confortei muitos camaradas de armas, promovi aulas de formação académica, ajustei as ilusões à realidade dos mais eufóricos; tive prazenteiros amores, a servir de musas ardentes a espevitar a inspiração na criatividade poética; escrevi páginas de diários onde descarreguei as minhas dores, em forma de desabafo tenso.
De todos os meus tempos da guerra, tenho mais saudades dos momentos de Luanda e dos afagos das namoradas que comigo deambularam em círculos visionários de gozo. De tudo isso ficaram os meus versos que agora são publicados em livro. Este livro que vos deixo como recado para bem viverem as vossas vidas.

                    Joaquim Coelho  





Musas do meu Imaginário


 ENCRUZILHADAS DA VIDA

Quando o desejo é uma caricatura da ilusão que reforça a identidade que procuro na natureza humana, fico com a sensação de que estou a resvalar para uma relação mais contemplativa do que fundida nas feições duma mulher.
A mulher é mais do que um corpo feminino, é uma inspiradora de sentimentos e afectos que gosto de compartilhar. Às vezes procuro encontrar-te neste universo apaixonante dos sentidos e vejo uma ilha que qualquer vendaval pode destruir. Ao tentar descobrir o que te vai na alma, mesmo com o auxílio da imaginação, percebo que te debates contra a sociedade e a desumanidade das pessoas que se tornaram egoístas. Das palavras, dos olhares, dos gestos e dos sentimentos transmites um pesado sentimento de revolta por te sentires injustiçada. Ao tentares descobrir as causas, sentes-te oprimida e desiludida por não reconhecerem e pagarem o mérito do teu trabalho, por teres que gerir a vida familiar com escassos recursos, por te limitarem nas relações amorosas, onde o ritual de aproximação e usufruto das carícias ternurentas de alguém pode ser um jogo de incertezas e de angústias.
A questão do amor é mais complexa do que pode parecer; é através do sentido de amar que descobrimos o nosso eu mais profundo, como quem embarca numa viagem nos labirintos da vida que nos conforta na descoberta dos outros que nos são afins. Mas a multiplicidade de sentimentos cruzados pode criar um ambiente de alucinação que nos comove e emociona até perdermos o sentido da realidade. Então, podemos ser enganados pela ilusão incutida pelos manipuladores da verdade e dos sentidos que nos deixam incapazes de perceber o mundo de aparências fantásticas que nos atrofiam a vontade e o discernimento para entender os enredos que nos vão manietando caprichosamente.
Nas relações entre homem e mulher, há cada vez mais malabarismos flutuantes que ambos podem usar para criar a ilusão do mundo fantástico. Quem alimentar esses desvios da natural convivência humana, está a contribuir para a destruição dos valores que frutificam no espaço do amor. Os desencontros são cada vez mais dramáticos e arrasadores para os seres mais débeis, deixando um rasto de sofrimento e desespero difícil de consertar. Perdida a liberdade de discernimento pela razão, os pesadelos podem ficar encrostados na nossa mente e condicionar as tentativas de retorno ao mundo real que nos rodeia.
Por natureza, preciso de conviver com as mulheres! Nos últimos tempos, comportamentos adversos ao meu modo de viver excluíram-me da convivência salutar onde a mulher desempenha importante papel na partilha e na cumplicidade dos momentos eróticos. Faz parte da natureza humana, sendo até um complemento primordial para o equilíbrio emocional e hormonal, a troca de carícias e o entrelaçar dos corpos nos actos de amor. A mulher é uma espécie de monumento sagrado, pouco acessível, que muitos homens não compreendem o que têm dentro nem sabem esculpir nela a imagem da sua preferência. Em vez de a observarem com sentido de partilha de algo que podem ter em comum, procurando aperfeiçoar e harmonizar a relação, por razões de machismo tosco, o homem tenta manipular as fragilidades da mulher até à consumação do seu desejo de conquista e posse. É este sentimento possessivo que não se enquadra nos trâmites actuais das relações humanas que leva ao descambar de muitos casamentos ou relações maritais aparentemente estáveis.
Há! como eu gostava de agarrar a vida com a frescura de quem ama! Mesmo que num momento fugidio do casual encontro, imagino prender-te pela cintura, acariciar teu corpo e assimilar o teu sentir relaxante com o turbilhão de mimos que nos deliciassem os corpos desprendidos no silêncio da solidão. O prelúdio do momento ficará sempre na lembrança de quem o alimenta. Pressinto que vamos vencer os constrangimentos e a tua vida será mais feliz.

    Kartoamando 





segunda-feira, 3 de julho de 2017

Combatentes Indignados


        À Comunicação Social 

OS COMBATENTES indignados 

Nós não estamos a pedir mais do que nos é devido. Nós queremos que nos devolvam o que a guerra nos tirou: anos de vida, pelo desgaste prematuro; a dignidade estigmatizada no desprezo a que fomos votados pelos governantes da Pátria que juramos defender. Perdemos parte da juventude e dos nossos sonhos ao serviço da Pátria. A guerra nunca foi atraente. Estivemos lá porque somos pessoas de bem-querer à Pátria e a sociedade política nos obrigou. Muitos mergulharam no desespero e perderam a noção da realidade; outros sentiram o sangue a esvair-se sem retorno. Os que regressaram sentiram o abandono e o tormento das maleitas agarradas ao corpo e as visões das emboscadas e dos corpos esfacelados a perturbar as noites mal dormidas e completamente zonzos pelo stress sem redenção.

Confrontados com a imensa escuridão do regime que deu lugar à descolonização, às amplas liberdades e profundas alterações na sociedade, especialmente, com o retorno das populações desiludidas, escorraçadas e espoliadas dos seus bens e das raízes firmadas com denotado esforço de integração, sentimos os insultos e maldizer dos “retornados”, como se fossemos nós os responsáveis pela sua desgraça.

Os Combatentes foram desmobilizados e o estado descartou-se da responsabilidade de os integrar na sociedade, de onde os arrancou à força…  e abandonou-os à sua sorte. Quanto aos “retornados”, foram devidamente apoiados na integração, receberam as ajudas merecidas e ocuparam empregos recusados a muitos dos Combatentes desmobilizados. Injusta desigualdade entre Portugueses; mas que diferença de tratamento e cuidados, senhores governantes!  

No imaginário desta realidade transcendental, resumida em mais de 100 mil Combatentes com vidas lastimáveis e famílias em constante alvoroço devido às armadilhas do stress de guerra, somos forçados a elevar o nosso protesto e indignação até que sejam reconhecidos os préstimos à nação e recompensados pelo desgaste prematuro das nossas vidas. Sem aspirações a mártires nem heróis, apelamos à vossa sensatez e espírito humanitário para fazerdes o que há muitos anos deveria ter sido feito. Discutir e aprovar o “Projecto” de Estatuto dos Combatentes que o “Grupo de Trabalho” das Associações de Combatentes entregou, em Julho de 2016, aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República.

Se não for feita a justiça que se impõe, acabaremos todos mortos e injustiçados. Aí, o Estado ficará eternamente coberto por um tenebroso manto de vergonha e os seus dignitários ficarão com tamanha carga na consciência que nem na tumba terão sossego.

5 de Junho de 2017

Joaquim Coelho, Presidente da Associação do Movimento Cívico de Antigos Combatentes e Coordenador do “Grupo de Trabalho” das Associações

 Aprovado por aclamação na Assembleia-Geral de 20 de Maio de 2017, nas Caldas da Rainha


 



O QUE SE DIZ DA GUERRA COLONIAL

No plano das narrativas, temos assistido a algumas bacoradas lançadas a público por meia dúzia de indivíduos que pouco fizeram durante a guerra, portanto sem relação com as vivências no terreno. Pela amostragem, aparecem quase sempre os mesmos, gente que esteve longe dos dramas e das angústias vividas no meio das matas e dos trilhos ou picadas onde o perigo das emboscadas e das minas eram o tormento de todos os minutos.
Lamentavelmente, os indícios sobre a tentativa de branquear os erros dos governantes e minimizar o desempenho dos verdadeiros combatentes são evidentes e fazem parte da vergonhosa campanha para justificar o desprezo pelos que sofreram no corpo e na alma os efeitos da guerra e são uma afronta à memória dos “nossos” mortos em combate.
Esses arautos da mentira esquecem-se que houve muitas situações trágicas que causaram a morte a mais de dez mil homens cuja missão era proporcionar segurança e bem-estar aos que trabalhavam na retaguarda.
Depois, temos uma casta de escritos a difundir a ideia dos desertores ou cobardes proscritos pela Pátria que traíram. São enredos com palavras bonitas e bem colocadas mas vazias de conteúdo perceptível para a maioria dos portugueses que tiveram alguém envolvido numa guerra que marcou a vida duma geração e mexeu com mais de um milhão de famílias portuguesas. Fazem parte de um trabalho dirigido à elite intelectual dos senhores lobistas que vivem nas catacumbas parasitárias da cultura portuguesa; são família do mesmo lóbi que tem contribuído para agravar o definhar da sociedade, especialmente na educação e saber que são o fundamento dum povo a precisar de ideias e acções capazes de salvar o que resta dos valores da cidadania. 
Do que temos visto dos arautos da Guerra Colonial, são poucos os exemplos de patriotas com coragem para defenderem uma imagem digna dos combatentes. Curiosamente, temos dois maus exemplos nas pessoas de Manuel Alegre e António Lobo Antunes cujos textos continuam a estar na estampa, mas as suas acções públicas deixam um rasto de insultos que indignam os verdadeiros combatentes da Guerra Colonial. Destes dois “famosos” não se conhecem tomadas de posição que ajudem a resolver os principais problemas em aberto no contexto da descolonização: assistência e apoio efectivo aos traumatizados e a devolução, às terras de origem, dos restos mortais dos combatentes que ficaram nas terras remotas de África.


Junho de 2010 – Joaquim Coelho



domingo, 12 de março de 2017



         MORTOS VIVOS

Estarmos vivos até pode ser sorte
com tanta violência em ascensão
carregamos injustiças e medos
e não aguentamos o peso do ódio
que vai corroendo a humanidade;
amolecemos com falta de amor
trabalhamos duramente, calados
a viver sem fortuna e maus salários,
se não defendermos a dignidade
seremos como os pobres otários.

Militante das justas convenções
andei pelo mundo em movimento
professando a insigne humildade
do saber escutar e dar conselho
com a serenidade dum ancião
que sabe aos fracos dar a mão;
para os amigos mais gulosos
sussurro levemente aos ouvidos
para terem mais temperança
nos vinhos, petiscos e enchidos
para viverem melhores anos
e gozarem o sabor da bonança.

É um privilégio estarmos vivos
mesmo que nos julguem mortos,  
os bravos heróis nunca morrem
partem mas deixam suas obras…
percorremos caminhos com idade
apegados aos amigos presentes,
fazeremos preces pelos ausentes
até que se derrubem as fronteiras
e acabem os caminhos paralelos
para que se cumpra a santa união
numa salutar confraternização.  


                Joaquim Coelho