segunda-feira, 3 de julho de 2017

Combatentes Indignados


        À Comunicação Social 

OS COMBATENTES indignados 

Nós não estamos a pedir mais do que nos é devido. Nós queremos que nos devolvam o que a guerra nos tirou: anos de vida, pelo desgaste prematuro; a dignidade estigmatizada no desprezo a que fomos votados pelos governantes da Pátria que juramos defender. Perdemos parte da juventude e dos nossos sonhos ao serviço da Pátria. A guerra nunca foi atraente. Estivemos lá porque somos pessoas de bem-querer à Pátria e a sociedade política nos obrigou. Muitos mergulharam no desespero e perderam a noção da realidade; outros sentiram o sangue a esvair-se sem retorno. Os que regressaram sentiram o abandono e o tormento das maleitas agarradas ao corpo e as visões das emboscadas e dos corpos esfacelados a perturbar as noites mal dormidas e completamente zonzos pelo stress sem redenção.

Confrontados com a imensa escuridão do regime que deu lugar à descolonização, às amplas liberdades e profundas alterações na sociedade, especialmente, com o retorno das populações desiludidas, escorraçadas e espoliadas dos seus bens e das raízes firmadas com denotado esforço de integração, sentimos os insultos e maldizer dos “retornados”, como se fossemos nós os responsáveis pela sua desgraça.

Os Combatentes foram desmobilizados e o estado descartou-se da responsabilidade de os integrar na sociedade, de onde os arrancou à força…  e abandonou-os à sua sorte. Quanto aos “retornados”, foram devidamente apoiados na integração, receberam as ajudas merecidas e ocuparam empregos recusados a muitos dos Combatentes desmobilizados. Injusta desigualdade entre Portugueses; mas que diferença de tratamento e cuidados, senhores governantes!  

No imaginário desta realidade transcendental, resumida em mais de 100 mil Combatentes com vidas lastimáveis e famílias em constante alvoroço devido às armadilhas do stress de guerra, somos forçados a elevar o nosso protesto e indignação até que sejam reconhecidos os préstimos à nação e recompensados pelo desgaste prematuro das nossas vidas. Sem aspirações a mártires nem heróis, apelamos à vossa sensatez e espírito humanitário para fazerdes o que há muitos anos deveria ter sido feito. Discutir e aprovar o “Projecto” de Estatuto dos Combatentes que o “Grupo de Trabalho” das Associações de Combatentes entregou, em Julho de 2016, aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República.

Se não for feita a justiça que se impõe, acabaremos todos mortos e injustiçados. Aí, o Estado ficará eternamente coberto por um tenebroso manto de vergonha e os seus dignitários ficarão com tamanha carga na consciência que nem na tumba terão sossego.

5 de Junho de 2017

Joaquim Coelho, Presidente da Associação do Movimento Cívico de Antigos Combatentes e Coordenador do “Grupo de Trabalho” das Associações

 Aprovado por aclamação na Assembleia-Geral de 20 de Maio de 2017, nas Caldas da Rainha


 



O QUE SE DIZ DA GUERRA COLONIAL

No plano das narrativas, temos assistido a algumas bacoradas lançadas a público por meia dúzia de indivíduos que pouco fizeram durante a guerra, portanto sem relação com as vivências no terreno. Pela amostragem, aparecem quase sempre os mesmos, gente que esteve longe dos dramas e das angústias vividas no meio das matas e dos trilhos ou picadas onde o perigo das emboscadas e das minas eram o tormento de todos os minutos.
Lamentavelmente, os indícios sobre a tentativa de branquear os erros dos governantes e minimizar o desempenho dos verdadeiros combatentes são evidentes e fazem parte da vergonhosa campanha para justificar o desprezo pelos que sofreram no corpo e na alma os efeitos da guerra e são uma afronta à memória dos “nossos” mortos em combate.
Esses arautos da mentira esquecem-se que houve muitas situações trágicas que causaram a morte a mais de dez mil homens cuja missão era proporcionar segurança e bem-estar aos que trabalhavam na retaguarda.
Depois, temos uma casta de escritos a difundir a ideia dos desertores ou cobardes proscritos pela Pátria que traíram. São enredos com palavras bonitas e bem colocadas mas vazias de conteúdo perceptível para a maioria dos portugueses que tiveram alguém envolvido numa guerra que marcou a vida duma geração e mexeu com mais de um milhão de famílias portuguesas. Fazem parte de um trabalho dirigido à elite intelectual dos senhores lobistas que vivem nas catacumbas parasitárias da cultura portuguesa; são família do mesmo lóbi que tem contribuído para agravar o definhar da sociedade, especialmente na educação e saber que são o fundamento dum povo a precisar de ideias e acções capazes de salvar o que resta dos valores da cidadania. 
Do que temos visto dos arautos da Guerra Colonial, são poucos os exemplos de patriotas com coragem para defenderem uma imagem digna dos combatentes. Curiosamente, temos dois maus exemplos nas pessoas de Manuel Alegre e António Lobo Antunes cujos textos continuam a estar na estampa, mas as suas acções públicas deixam um rasto de insultos que indignam os verdadeiros combatentes da Guerra Colonial. Destes dois “famosos” não se conhecem tomadas de posição que ajudem a resolver os principais problemas em aberto no contexto da descolonização: assistência e apoio efectivo aos traumatizados e a devolução, às terras de origem, dos restos mortais dos combatentes que ficaram nas terras remotas de África.


Junho de 2010 – Joaquim Coelho