quinta-feira, 9 de março de 2017

COMBATENTES - RAZÕES DOS CONVÍVIOS
Os danos da guerra são dolorosos e deixam feridas difíceis de curar. Além da destruição dos bens, perdem-se amizades e as relações entre seres humanos não valorizam a vida e a sua essência. É contra todas essas perdas que procuro reagir dando valor à riqueza que nos resta - fortes laços de amizade e camaradagem porque, entre os intervenientes nas guerras, esses valores foram a trave mestra a segurar a frágil condição humana de muitos combatentes, nos primeiros tempos de missão. Alguns perderam a bússola das suas vidas, numa agitação anormal da consciência e das emoções; não fora a mística do companheirismo, a desgraça dos traumatizados teria atingido uma dimensão muito mais grave e penosa para a sociedade portuguesa.
       Os jovens que um dia partiram do seio das suas famílias e foram desembarcados nos confins das terras de África, sobreviveram às angústias e aos perigos da guerra, também saberão responder adequadamente aos governantes que os desprezam como gente do mais reles da sociedade. Saberão honrar as memórias de todos os que morreram ao serviço da Pátria, porque são os guardiães dos nobres valores da Nação civilizada e porque juraram defender a bandeira de Portugal contra os traidores que a amarrotam e envergonham; a força da ética e da moral militares são válidas em todos os escalões da sociedade, tanto na formação dos cidadãos como na aplicação da justiça. Pena é que muitos façam por ignorar tal factor de estabilidade social. Os Convívios são uma boa terapia.

A razão da divulgação que vou fazendo, aos tempos da minha geração que combateu em África, é uma forma de protesto contra a ofensiva campanha que os governantes e "retornados" lançaram contra os Combatentes logo após a descolonização. Por diversas vezes repudiei as palavras atiradas contra os valentes homens da Nação, que sofreram os efeitos da guerra. As culpas pelo abandono das terras africanas caíram todas sobre aqueles que mais sofreram o desgaste físico e psíquico por causa da guerra. Depois vinham os insultos: "cobardes, que deixaram entregar tudo aos pretos", "traidores, que deixaram os colonos portugueses abandonados à sua sorte", e muito mais.
Os Combatentes é que foram abandonados à sua sorte, engolindo a raiva e os fantasmas, sofrendo com os traumas e as mazelas que os castigam pela vida fora.
É por isso que tenho colaborado activamente na organização de Exposições fotográficas e conferências, em centros culturais e escolas, com vista a mostrar aos portugueses que a guerra foi uma tragédia para os que morreram ou ficaram estropiados e um flagelo para todos os outros que percorreram as picadas e os trilhos das matas africanas. Além disso, participo na elaboração do “Projecto” de Estatuto dos Combatentes, com vista à sua negociação na Assembleia da República, através do qual serão reconhecidos os préstimos à Pátria; também não esquecemos que há mais de 1.700 mortos abandonados em terras africanas que não regressaram às terras das suas famílias, para o que contribuímos com uma recolha de 17.420 assinaturas numa Petição para o resgate de todos esses restos mortais para Portugal, a qual foi aprovada na Assembleia da República e entregue à Liga dos Combatentes em Junho de 2009. Através de negociações, intervenções na comunicação social ou de manifestações públicas, não vamos deixar que todos morram sem o devido reconhecimento.

MAC – Vila Nova de Gaia, Maio de 2015
Joaquim Coelho - Combatente em Angola e Moçambique



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